Textos autorais
Medo do medo que da
dezembro 10, 2014
De onde vem o medo? São duas horas da manhã e estou com olhos arregalados, ouço todos os barulhos, inclusive os que mais ninguém ouve. Está escuro aqui dentro, mas quando olho para fora eu vejo a luz, o poste em frente a minha casa tem uma lâmpada muito forte, mas isso não é suficiente para eu não sentir medo. De onde vem o medo? Ouço barulhos no telhado, pode ser qualquer coisa, um gato, a estrutura de madeira trabalhando, o encanamento, mas meu medo diz que o barulho só pode significar uma coisa, uma pessoa no telhado tentando entrar. O cachorro latiu, com certeza é alguém no telhado, o cachorro só não late o tempo todo porque perde esse alguém de vista, ou porque está com sono, ou porque seus brinquedos são muito mais interessantes. O cachorro pode até estar convidando esse alguém para brincar com ele, sabe como são as crianças. De onde vem o medo? As horas não passam, os barulhos não param, ouço meu coração batendo, ouço minha barriga roncando, ouço meus cílios roçando uns nos outros. Sinto-me enjoada, não tenho nada para vomitar, e mesmo que tivesse, o alçapão fica no banheiro, com certeza será por lá que tentarão entrar, então melhor manter distância. Tento dormir novamente, mas é só eu deitar e fechar os olhos para ter a nítida impressão de ter ouvido um barulho ainda maior. Ele sabe que deitei, e vai aproveitar o momento para entrar, não pode me pegar desprevenida, então levanto novamente e acendo as luzes, ando por toda a casa para ele ver que a casa não está vazia, e que os moradores não estão dormindo. De onde vem o medo? Ele pode ter vigiado a casa por um tempo antes de subir no telhado, pode saber que não tem mais ninguém na casa além de mim, com certeza ele vigiou a casa, com certeza ele sabe que eu estou sozinha e que meu cachorro é uma criança brincalhona que não lhe fará mal algum. Pego o celular e digito o número da polícia, não completo a ligação, afinal, pode ser que seja um gato, mas não custa se prevenir e deixar o número ali de prontidão. Ontem eu tinha medo de sair de casa, de ser atacada na rua, de ter uma arma apontada para minha cabeça. Hoje eu tenho medo de ficar em casa, tenho medo do homem no telhado, como as crianças que tem medo do monstro que se esconde em baixo da cama. De onde vem o medo? Dizem que é coisa da minha cabeça, que tenho que ter fé, que tenho que rezar. Eu nunca rezei tanto desde que o homem se instalou no telhado, desde que ele resolveu passar todas as noites no telhado só esperando uma brecha para entrar pelo alçapão. As vezes penso que vou enlouquecer, que preciso me tratar, que na verdade não estou ouvindo nada, mas aí o que acontece? Ouço o barulho novamente. Talvez eu tenha que me mudar para o campo, dormir ouvindo sapos e grilos. Quem disse que casa de campo não range? Não, não daria certo, no campo o socorro demoraria mais pra chegar, as pessoas demorariam mais para sentir a minha falta, eu não teria pra onde correr. Até quando terei medo? De onde vem o medo?
1 comentários
Tenho poucos medos. Tiro sarro de mim mesmo quando me pego com uns medos aí. Contornar tem sido um verbo que preciso conjugar bastante para viver bem, para viver mais perto da sanidade.
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